quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Sobre o tempo

Ao escutar o badalar
do sino no alto da torre,
os homens, mecanicamente,
ajustam os relógios.

O tempo, tão contido nos relógios,
controla quando cabe aos homens comer
e quando devem jejuar.

Após uma certa quantidade de tempo,
urge que os homens se enfeitem
e reúnam outros homens pra comemorar.

Em toda parte os homens aguardam
o tempo de fazer poesia,
o tempo de rimar versos
e de os rasgar.

O tempo diz aos homens
quando esconder suas marcas no rosto
e quando já não importa mais.

O tempo não se importa com os homens.

Sérgio Q Medeiros

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Pequenas Memórias

Ao estourar
de um grão de milho,
eu me vejo pequenino.

Numa noite de domingo
eu, menino,
vou à missa com a família.

Na nossa igreja
não há missa
sem pipoca.

O pipoqueiro
é negro como o padre.

Durante o sermão
o pipoqueiro silencia,
ninguém escuta a sua voz.

Ouve-se apenas
o estourar do milho,
como uma queima de fogos
para Nosso Senhor.

Sérgio Q Medeiros

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Adormecer

Uso álcool
para o sono chegar.

Já não confio
nos programas da TV.

Reprises de novela,
filmes iranianos,
debates futebolísticos...
Nada me faz desacordar.

Por que não busco
algum amigo?

É tarde
para reunir amigos
e há tanto álcool de prontidão.

Eu uso álcool
pro sono chegar.

Sérgio Q Medeiros

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Romance

Há prédios cheios
de pessoas sozinhas
e pouco espaço
para novos solitários.

Autoridades públicas,
preocupadas com a questão,
discursaram sobre a falta de romances.

O governo estuda
distribuir entradas pro cinema.

Todas as drogas do amor
devem ser liberadas
e não haverá impostos
sobre o envio de flores.

Será que Alice
gosta de orquídeas
ou prefere margaridas?

Sérgio Q Medeiros

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Dia tranquilo

Após um dia tranquilo
ela voltou para casa.

Em silêncio
aqueceu a comida
e teve o jantar.

A sós
ela lavou a louça,
folheou livros,
ligou para a mãe
e limpou os dentes.

Antes de ir pra cama
murmurou orações.

Nas suas preces
agradeceu e pediu
um outro dia tranquilo.

Sérgio Q Medeiros

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Espetáculo

O vento
afaga a areia
da praia deserta.

Com o início da chuva
todos os homens
foram embora.

O mar,
agora um artista solitário,
parece arrebentar mais forte.

Suas ondas,
como a mostrar
que não são movidas
por trajes de banho coloridos,
buscam com redobrada ânsia
o impacto com as rochas.

Após cada encontro,
uma branca espuma
cobre e descobre
o negrume da rocha.

Não há intervalo.

O espetáculo
não pode parar.

Sérgio Q Medeiros

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Poema forte

Este é um poema forte,
que não pega resfriado.

Este é um poema operário,
que acorda cedo,
martela versos
e não falta ao trabalho
sem justa causa.

Este é um poema sofredor,
que crê em realizações
um pouco improváveis.

Este será um poema de amor?
São já várias linhas
sem ganhar beijo ou afago,
mas ainda é tempo
de aparecer uma mocinha.

Sérgio Q Medeiros

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Noite de sono

Levanto,
urino
e torno a dormir.

Regresso
a uma noite
sem sonhos.

Algumas
preocupações mesquinhas
atrapalham meu sono,
mas não o colorem.

Não há cores,
não há fêmeas bonitas,
não há fracasso ou glória
no meu sono.

O meu sono é apenas
esquecimento
e cansaço.

Sérgio Q Medeiros

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Velho retrato

Me sinto
um velho retrato.

Uma reminiscência
de coisa querida,
que guardam sem saber por quê.

Sou uma lembrança
de outras guerras
e de outros esquadrões.

Meus antigos companheiros
hoje são rubros
e possuem cores vibrantes.

Eu sou um velho retrato
que descolore e se enternece
ao nos relembrar em tons de sépia.

Sérgio Q Medeiros

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Papelaria

Na papelaria
namoramos
as grandes coleções
de lápis coloridos.

Que belas coleções
de lápis de cor!

Mas para colorir
os meus desenhos
não preciso de todos
os lápis coloridos.

Bastam-me duas
ou três cores
e eu te pinto
por inteiro.

Sérgio Q Medeiros

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Um recado da saudade

Há vários dias
que chove.

Chove um pouco,
chove forte,
chove...

A minha vizinha
saiu sem o guarda-chuva
e voltou molhada pra casa.

Para a minha vizinha
essa água que cai do céu
é apenas mais uma preocupação.

Perdi meu guarda-chuva
e enquanto a chuva não passa
eu olho os pingos da janela.

Da minha janela
essa chuva, que não passa,
é um recado da saudade.

Sérgio Q Medeiros

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Rebuliço

Mestre Pedro
era um homem manso,
um homem de sua casa
e de sua família.

Quando Maneco Barros,
sujeito casado,
foi mexer com a filha do mestre
não pensou que ia dar naquilo.

Num rebuliço,
o mestre
passou Maneco Barros
na ponta da faca.

Tudo isso porque
a irmã de Laurentino,
antiga amante de Maneco,
foi dar conta do romance.

O enterro de Maneco sai hoje
com três viúvas.

Sérgio Q Medeiros

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O fim azul

O mar
começa cinza,
torna-se verde
e se perde azul.

O mar
termina azul.

A minha vizinha
gostava de rosa,
ficou doente
e apodreceu.

Mas ainda resta o consolo
da companhia
de vermes azuis.

Sérgio Q Medeiros

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Poucas palavras

Alguns casais
fazem um tímido
uso das palavras.

Seus almoços exigem
cinco ou seis delas,
a sobremesa mais uma,
e outras três são necessárias
para a sopa no jantar.

Com o tempo
inventaram formas eficientes
de se comunicarem.

Uma piscadela para o sal,
uma leve tosse para o purê de batatas,
e um discreto toque da mão direita
na orelha esquerda
para indicar um novo amante.

Sérgio Q Medeiros

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Minha chuva azul

Os meus versos
formam nuvens
que chovem azul.

Meus versos,
minhas nuvens,
minha chuva azul...

Eu chovo
uma chuva azul.

Pouco importa
se é uma chuva serena
ou se é torrente.

Importa é chover
pro azul ficar contente.

Sérgio Q Medeiros

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Cotidiano

Os dias
se repetem
e os ponteiros
marcam sempre
o mesmo lugar.

Em casa,
às sete,
tomo banho,
bebo café,
calço os sapatos
e vou pro trabalho.

No trabalho,
às dez
espero onze,
às onze
espero doze,
e às doze
saio pro almoço.

Volto ao trabalho
e espero a hora
de ir pra casa.

À noite,
em casa,
eu leio livros
que falam de outros lugares
mas não explicam
como chegar lá.

Deito quando os ponteiros
estão quase juntos,
e durmo sem vontade
de acordar.

Sérgio Q Medeiros

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O baile

Com o princípio da chuva
as pessoas procuram abrigo
e se descobrem juntas.

Algumas pessoas,
como velhas companheiras,
permanecem próximas
sem fazer uso das palavras.

Outras revelam a admiração
de um primeiro encontro.
Conversam sobre o tempo,
sobre filmes e, quem sabe,
um cinema no fim de semana.

Mas de repente, tal qual
a orquestra de um baile,
a chuva para e separa casais
que foram quase eternos.

Sérgio Q Medeiros

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Beleza

Com cada filho
deixou um pouco da beleza
e já não era
a moça bonita que fora.

Melhor deixar
a beleza pros filhos
do que desperdiçá-la
junto aos homens.

Homens que iam deixá-la
quando perdesse a beleza.

Não investia em homem,
não valia a pena.
Melhor deixar a beleza
pra quem não deixa a gente.

Sérgio Q Medeiros

terça-feira, 31 de maio de 2011

Últimos Capítulos

O jornal
fala de guerras
e do fim da novela.

Os homens,
em terras distantes,
parece que estão sempre
a lutar por algo.

Pobres soldados
que vão perder
o final da novela.

Não sabem que Paula
está saindo com Carlos Roberto
e que Juca é o vilão da história.

Talvez a mulher
do primeiro sargento,
atenta a cada capítulo,
escreva-lhe uma carta
contando o desfecho da trama.

Uma carta sem destinatário...
Surpreenderam o primeiro sargento
no mesmo dia em que Carlos Roberto
foi ao cinema com Paula.

Sérgio Q Medeiros

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Bailarina

Uma velha prostituta
dança sozinha na rua
enquanto uma banda
repassa o som.

No meio da dança,
ela relembra a mãe
e as aulas de balé
que teve na infância.

A mãe,
que a queria bailarina,
nunca mais a viu
depois que saiu de casa.

Foi quando a filha
passou a oferecer a carne
e a sentir entre as coxas
uns tantos homens vulgares.

Agora, dança
entre risos e censuras.

A velha dama rodopia
e ri uns poucos dentes
ao lembrar da mãe,
que a queria bailarina.


Sérgio Q Medeiros

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Uruguai-612

No céu
passa um cometa,
que não posso alcançar.

Preciso
de pássaros selvagens,
que me levem a voar.

Planetas
cheios de rosas
são bons para passear.

Mas para o meu asteróide,
pequenino,
sempre quero regressar.

Sérgio Q Medeiros

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Sem surpresas

Um antigo companheiro
pendurou uma corda no pescoço
e foi viver em um outro jardim.

Era um companheiro
de copo, de trabalho
e de passados carnavais.

E todos sabem
que todo carnaval
tem seu fim.

Pra que aguardar as cinzas
se a corda
está ao alcance da mão?

Então, sem surpresas,
o meu amigo partiu
para um outro jardim.

Sérgio Queiroz de Medeiros

quarta-feira, 27 de abril de 2011

As tardes de sábado em que chovia

Nas tardes de sábado
em que chovia,
não podia jogar bola.

Ficava brincando em casa,
sentado no chão frio,
e logo me acostumava.

Passavam comédias na TV
e minha mãe
fazia bolinhos de chuva.

Não lia livros,
mas a vida
era mais fácil de suportar
naquelas tardes de sábado
em que chovia.

Sérgio Queiroz de Medeiros

terça-feira, 19 de abril de 2011

Rotina

Eu como pão,
escovo os dentes
e tomo leite.

Eu tomo pão,
escovo os dentes
e como leite.

Eu escovo o pão,
eu como os dentes
e tomo leite.

Eu leite o pão,
eu escovo os comos
e tomo os dentes.

Pão eu leite,
como eu escovo
e dentes tomo.

Sérgio Queiroz de Medeiros

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Partir

Nem sempre
se quer viajar.
Às vezes
se quer apenas partir.

Seguir para onde
as pessoas
dançam outras danças,
embora (quase) se amem
da mesma maneira.

Fugir para um lugar onde
não há guerras para guerrear,
não se exigem ondas do mar,
nem poetas que saibam rimar.

Embarco pra esse lugar
em dias de um cinza claro
em que ando cansado de mim
e desejo apenas partir.

Sérgio Queiroz de Medeiros

domingo, 3 de abril de 2011

Minhas calças molhadas

As minhas calças molhadas
não querem secar em um varal
no chão de um apartamento.

Elas querem um varal no quintal
e o vento para as balançar.

Querem espiar a vizinha
e ver o sorveteiro passar.

As minhas calças, molhadas,
sabem que vão secar,
mas querem se balançar.

Sérgio Queiroz de Medeiros

sexta-feira, 25 de março de 2011

Sobre a vida dos homens

Os homens
sobem montanhas,
montam cavalos
e inventam máquinas.

Os homens
contam histórias,
escrevem livros
e rezam orações.

Os homens
fumam cigarros,
dançam em pares
e procuram-se à noite.

Os homens
cultivam plantas,
acariciam gatos
e alimentam pombos.

Os homens,
que mal se suportam,
às vezes são fracos
e às vezes são bons.

Os homens
às vezes são raros,
às vezes felizes,
às vezes só homens.

Sérgio Medeiros

domingo, 13 de março de 2011

Trago meu rancor para o mar

À noite,
eu venho ver o mar.

Trago
meu rancor
para o mar.

Olho o mar
e quero jogar
o meu rancor
nesse mar.

Em cada onda,
quero que siga
a minha raiva.

Desejo a calma
desse mar.

Desejo que esse mar
carregue o meu rancor.

Sérgio Medeiros

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Perto do Chão

Eu fico
perto do chão,
das coisas
que posso tocar.

Às vezes fujo
pra uma montanha alta,
tenho frio e solidão.
Gosto de montanhas altas,
mas prefiro voltar pro chão,
pras coisas que posso tocar.

Há dias que vôo,
que tenho um bom vôo.
Mas não fico no ar,
me quedo perto do chão,
das coisas que posso tocar.

Às vezes eu pego cometas,
gosto de ir passear...
Mas volto sempre pro chão,
pras coisas que posso tocar.

Sérgio Medeiros

domingo, 23 de janeiro de 2011

Sobre pequenos fatos e impressões

As folhas estão no chão
e os cartazes na parede.

Pensões baratas anunciam
vagas para moças e rapazes.

Carolina não me liga
já há duas sextas-feiras.

As garrafas pela praia
eram alegres de cerveja.

Mas pra onde foram os corpos
que repousavam na areia?

Ah, mas se houvesse mais estrelas
nem carecia dessa lua ser tão cheia.

Sérgio Medeiros

domingo, 9 de janeiro de 2011

Um Incerto Outro Lugar

Faça-se então
um exílio voluntário,
para longe desse povo,
para um incerto outro lugar.

Faça-se então
uma serena partida,
para longe desse povo
que é feio e sem graça.

Como posso eu, bom moço,
que sou bonito e visto azul,
ficar junto desse povo
que nem esboça a sua cor?

Saio e levo comigo
todos os lápis coloridos
para pintar palavras tristes
em cartas feitas de saudade.

Sérgio Medeiros