quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Palavras para o alto

Minhas palavras
não falam alto.

Parecem mais murmurar
para a pessoa ao lado,
ou para si mesmas.

São palavras
que caminham caladas,
com as mãos no bolso,
e esperam em silêncio na fila.

Talvez sejam palavras
apenas pra se olhar.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Quase vazia

Acordei na mesma casa,
quase vazia.

Sobre a pia do banheiro
sem espelho
a mesma escova
e o mesmo creme dental.

Por todo lado
o mesmo espaço
das casas quase vazias.

Um espaço
especialmente irritante
pela sua constância,
por lembrar algo
a se ocupar.

Ontem à noite
fui à padaria
e hoje acordei
na mesma casa,
quase vazia,
com pães para o café.

Quando acordei
os pães preenchiam
o espaço da casa
quase vazia.

Cada pão me dizia
que cada coisa
estava em seu lugar.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Finados

Finados é um dia nublado.

Conseguem os mortos
enxergar as nuvens
tão cinzas no céu?

O cinza das nuvens
não diminui o afeto
dos que saíram de casa
em busca de flores.

A cada ano
se compram mais flores.

Para cada nuvem cinza
há uma flor
e tão bonita
é a sua cor.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Um novo verso

Escrevi um verso
que agora faz
parte de mim.

Um verso tão próximo
veio espantar a loucura
e dissipar os medos
que são quase eu mesmo.

Escreverei outro
ou repetirei palavras
disponíveis em tabelas
de senos e cossenos?

Enquanto aguardo
um novo verso
afasto fantasmas
com gotas de álcool
e retratos de mulheres.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Sábado

Eu era sábado
e chovia no fim da tarde.

A embalagem dizia:
leve cem e pague oitenta.

Eu pagaria duzentos
pra me levar a outro lugar.

Uma cerveja é o preço
pra ser cúmplice dos homens.

Um velho barco
atravessa o rio de novo.

Em Juazeiro
também há barcos assim.

Encho o copo.

Da varanda do mercado
quantas vezes vou ver
esse barco passar?

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Outono

O outono oferece
as folhas do pé de manga.

O chão
fica cheio delas
e a minha tia
varre e reclama.

Vi na TV
que no Japão
o outono oferece
flores de cerejeira.

Umas flores tão bonitas
que nem dá vontade
de varrer.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Passeio ao reino da seca

Disponho os meus ossos
junto à janela
para passear.

Da janela avisto
uma casa vermelha,
vazia.

Ao lado da casa,
dormem os ossos de um boi.

(Após o sol secar a carne,
ninguém cobriu de terra
os ossos do boi.)

O passeio prossegue
e a casa vermelha
some da minha janela.

Me seguem somente
a terra seca
e os galhos cinzas.

Meus ossos, fartos,
perguntam quando o passeio
será interrompido.

Logo, eu respondo.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Distante

O vento levou um homem
a uma terra distante
e o esqueceu lá.

Os amigos, aflitos,
procuraram o homem
até o final da rua
e nunca o encontraram.

O homem,
esquecido pela brisa,
distante resolveu ficar.

Na terra nova
não foi triste
nem contente.

Casou com Madalena,
que lembrava Rosinha,
sua antiga companheira.

Morreu num dia
de vento forte,
quando saía de casa.

Quem sabe para comprar pão,
quem sabe para retornar.

Sérgio Q Medeiros

terça-feira, 25 de junho de 2013

Areia Branca

Já não há ruas
para homenagear os mortos.

As placas lembram somente
de coisas
de há muito tempo.

No passado, parece,
havia muitos generais.

Alguns receberam avenidas largas,
os outros, por certo,
não venceram muitas batalhas.

Agora vão mudar
os nomes das praias.

A praia de Areia Branca
será José Pinto Silveira.

Areia Branca será
pura memória.

Sérgio Q Medeiros

terça-feira, 4 de junho de 2013

25 de março

Um dia,
quando já não lembrava de mim,
fiz um poema pra minha avó.

Minha avó nunca leu o poema,
não conhecia as letras.

A vida não estava nos livros,
nem nos planos econômicos.

Quando faltou dinheiro
pra completar a feira,
minha avó foi ao quarto e trouxe
notas cheias de zeros
e com nenhum valor.

A vida era fazer doces,
cuidar das galinhas
e costurar uma roupa nova
para o liquidificador.

A vida, no fim,
era um desejo
de voltar pra casa do pai.

Hoje ela voltou.

Sérgio Q Medeiros

terça-feira, 30 de abril de 2013

Estação

Escuto o trem apitar,
mas não é hoje
que parte o meu.

Recupero o passo
e permaneço
a fazer o mesmo.

Acordo às sete
e respeito o horário
das refeições.

Escolho com esmero
a cor da roupa
das reuniões.

Todos os dias
faço ótimos contatos.

Depois do jantar
recolho papéis.

Entre cartões de visita
nunca encontro
o bilhete do trem
que não comprei.

Sérgio Q Medeiros

terça-feira, 12 de março de 2013

Guardados

Guardo comigo a tristeza
e os meus melhores poemas.

O restante
é de domínio público,
está exposto em sorrisos
e livros não folheados.

A página oitenta e um
diz muito sobre mim.

Verifique se pode encontrá-la
junto ao seu distribuidor local.

Em todo caso, escreva-me.

Há palavras que eu ainda
só consigo dizer por carta.

Sérgio Q Medeiros

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Minha mulher

Eu não sou
minha mulher!

Minha mulher?

Era uma loira bonita
que não me queria tanto,
mas depois que meti fundo
ela se afeiçoou.

Pena que aqueles filhos
acabaram com ela.

Porra, deixa eu
voltar pro assunto:
eu não sou
a minha mulher.

Prefiro
o churrasco ao ponto.

Agora
assa mais um pouquinho
pra eu poder
levar pra ela.

Sérgio Q Medeiros

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Baú

De Mossoró
até Pau dos Ferros
eram três horas de ônibus,
com parada em Apodi.

A família cabia
em quatro cadeiras.

Uma para meu pai,
outra pra minha mãe,
e duas para mim
e minhas irmãs.

Em Pau dos Ferros
tocavam sucessos
de anos atrás.

O tempo parecia
chegar atrasado ali.

A cidade,
com suas casas de fachada antiga
e seus homens de chapéu,
era um pequeno livro empoeirado.

Daí, acho,
vem o meu gosto
de visitar sebos.

Sérgio Q Medeiros

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O Haiti

Faço qualquer
trabalho braçal,
diz o cartaz
nas mãos do homem negro.

Seus olhos
parecem abarcar
cada carro
parado no sinal.

Nenhum carro
teria um jardim
para cuidar?

Pedra pra limpar?
Merda pra passar?
Fome pra carregar?

As luzes mudam,
os carros mudam.
Permanecem o homem negro
e seu cartaz.

Após tantos carros,
os olhos do homem temem
que a sua grande viagem
tenha levado ao mesmo lugar.

Sérgio Q Medeiros